iShindo Renme

iShindo Renme: Fanáticos e assassinos


Eles se recusaram a acreditar que o Japão tinha perdido a 2ª Guerra. E criaram uma organização clandestina em São Paulo, para matar os integrantes da colônia japonesa que se conformassem com a derrota

por Texto Tarso Araújo

O dia amanhecia no bairro do Jabaquara, em São Paulo, quando 4 japoneses bateram à porta do industrial Chuzaburo Nomura. Alguém abriu para ver quem chamava e a casa foi invadida. A mulher do empresário ainda gritou para que o marido não saísse do quarto, mas já era tarde. Um dos homens viu Nomura surgir descalço e de pijama no corredor e o acertou com um tiro no pescoço. Os outros 3 se aproximaram e fizeram vários disparos à queima-roupa. “Morra, traidor indigno”, disse um deles, ao meter-lhe uma última bala no peito.



Ao mesmo tempo, no bairro da Aclimação, outro grupo estava escondido no jardim do ex-diplomata Shiguetsuna Furuya, aguardando a hora certa para atacar. Quando Furuya acendeu a luz de um dos cômodos e apareceu na janela, os 5 japoneses fizeram 17 disparos em sua direção. Conseguiram errar todos, embora estivessem a apenas 5 ou 6 metros de distância do alvo. No que soou o primeiro apito da polícia, 2 atiradores decidiram se entregar e 3 saíram correndo.



Os dois atentados, ocorridos no dia 1º de abril de 1946, eram obra da Shindo Renmei, uma organização criada por integrantes da colônia japonesa em São Paulo durante a 2ª Guerra Mundial. Triunfalistas fanáticos, eles se recusavam a acreditar nas notícias sobre a derrota do Japão no conflito. Decidiram que tudo não passava de propaganda americana. E começaram a matar japoneses que admitissem o fracasso na guerra. Ao longo de um ano a partir desse duplo ataque, eles aterrorizariam o estado, deixando um rastro de 23 mortos, mais de 150 feridos e cerca de 30 mil prisões.



YAMATODASHI



Antes da 2ª Guerra, a vida dos 200 mil imigrantes japoneses no Brasil já não era nada fácil. A maioria vivia sob um regime de trabalho semi-escravo, enquanto penava para se acostumar com o clima, a comida e os costumes de uma terra desconhecida. Quando o conflito estourou, em 1939, a situação ficou ainda pior. O Japão estava ao lado da Alemanha nazista, enquanto o Brasil alinhava-se com os EUA e as demais nações aliadas.



Três anos mais tarde, em 1942, o caldo engrossou de vez. Submarinos alemães começaram a afundar navios mercantes brasileiros, forçando o presidente Getúlio Vargas a declarar guerra contra o Eixo. Imigrantes provenientes da Alemanha, da Itália e do Japão tiveram seus bens apreendidos. Ficaram proibidos de se mudar, fazer reuniões ou viajar sem autorização do governo. E também não podiam publicar jornais nem ter programas de rádio. Até o direito de falar na língua materna acabou sendo cassado.



Foi nesse contexto que um senhor de 67 anos, o ex-coronel do Exército Imperial japonês Junji Kikawa, fundou a Shindo Renmei (ou Liga do Caminho dos Súditos), em agosto de 1942 – um grupo destinado a unificar a colônia em torno do yamatodashi, o espírito japonês. A organização começou distribuindo panfletos que enchiam os patrícios de esperança na vitória e cobravam deles sua parte no esforço de guerra. Muitos imigrantes japoneses pararam de criar bicho-da-seda, por exemplo, para não fornecer a matéria-prima que, mais tarde, viraria pára-quedas para as forças militares aliadas. Mas foi quando o Japão se rendeu, em 15 de agosto de 1945, que a Shindo revelou sua face assassina.

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